sábado, 19 de março de 2011

Dermeval Saviani em entrevista à Rosina Duarte - II

Continuanção da entrevista de Dermeval Saviani.
Início foi postado em 15 de Março.
Nesse trecho o professor desmistifica a ideia de que no Brasil se gasta mais com Educação Superior do que com Educação Básica. Também faz um retrospecto histórico do descaso com politicas públicas na área da educação, que remontam ao período imperial. E por fim trata da promulgação da LDB 9394/96 e suas limitaçãoes.
Boa Leitura!
Mirtes.



5. A mesma pesquisa da Unesco dá uma boa notícia: a expectativa de permanência na escola aumentou de 10 para 12,7 anos de 1991 para 1997. Isso é significativo? Pode ser considerado um sinal de recuperação do ensino brasileiro?
R. O dado, em si, é um sinal positivo. Entretanto, precisamos estar atentos para verificar se isso corresponde a um efetivo aumento da aprendizagem ou se se trata, como se apontou na questão anterior, de uma simples melhoria estatística. Em verdade, assim como a promoção sem que tenha ocorrido um progresso nos estudos não resolve o problema da repetência, a permanência por mais tempo nas escolas sem que as crianças aprendam mais, não resolve o problema da formação das novas gerações que é a razão de ser das escolas.
  

 
6. Ainda mencionando a pesquisa, os dados deixam claro que o Brasil gasta 12 vezes mais no Ensino Superior do que no Ensino Fundamental. Isso não seria uma inversão de valores em um país com tanta carência de educação básica?
R. Decididamente, afirmar que “o Brasil gasta 12 vezes mais no Ensino Superior do que no Ensino Fundamental” é uma falácia que serve aos detratores do ensino superior público que buscam, com esse tipo de dado, justificar a retirada do Estado do financiamento das universidades públicas. Não tenho em mãos o relatório da UNESCO e, por isso, não posso verificar como apareceu esse tipo de dado. Talvez ele se refira aos gastos do governo federal onde, aproximadamente, 75% dos recursos se destinam ao ensino superior sendo que, do restante, a maior parte se destina às escolas técnicas de nível médio. Portanto, sobra muito pouco para o ensino fundamental. Ou talvez esse tipo de dado decorra dos gastos por aluno já que, como é sabido, se se embute nos gastos com o aluno de universidade pública os recursos destinados à pesquisa e aos serviços que a universidade presta à comunidade, aí incluídos os gastos com os hospitais universitários, então o custo do aluno de universidade pública resulta muitas vezes maior do que aquele do aluno do ensino fundamental. De qualquer modo, não se trata, em hipótese alguma, de afirmar que o Brasil gasta 12 vezes mais com o ensino superior do que com o ensino fundamental. Com efeito, o Brasil, diz a Constituição, é uma República Federativa composta, portanto, do Distrito Federal e dos Estados com os respectivos Municípios. E a mesma Constituição determina que os Estados e Municípios destinarão nunca menos do que 25% e a União 18% dos respectivos orçamentos para a “manutenção e desenvolvimento do ensino”. E, pelas normas em vigor decorrentes da própria Constituição Federal e reguladas pela LDB, a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental fica sob a responsabilidade dos Estados e Municípios. Em termos globais, o Brasil tem investido aproximadamente 4% do Produto Interno Bruto em educação. E mais de três quartos desse montante provêm de Estados e Municípios. Apenas para se ter uma idéia, registre-se que, segundo o IBGE, os gastos com educação em 1993 corresponderam a 3,7% do PIB, sendo a distribuição pelas três instâncias governamentais a seguinte: União, 0,3%; Estados, 1,8%; Municípios, 1,6%. Essa distribuição pode ter sofrido alguma variação mas, via de regra, a maior cota é dos Estados, em seguida os Municípios e, em último lugar, a União. Um outro exemplo ajuda a entender melhor essa questão. O Estado de São Paulo é, seguramente, o Estado que mais investe em ensino superior. No entanto, ele destina pouco mais de 9% do ICMS às suas instituições de ensino superior enquanto que, pela Constituição estadual, ele deve destinar pelo menos 30% de seu orçamento à educação. Vê-se, assim, que, de forma alguma procede a afirmação de que o Brasil gasta 12 vezes mais no ensino superior do que no ensino fundamental.
 


7. Mesmo investindo mais na universidade, ainda existem deficiências, como o baixo investimento em pesquisas. Que outros problemas cruciais enfrentam as universidade brasileiras, na sua opinião?
R. Na verdade, o grande problema das universidades brasileiras é o sucateamento a que estão sendo submetidas em função da política de redução de gastos do governo federal. Pela tradição brasileira, o ensino superior tem sido de responsabilidade prioritária da União, ficando o ensino médio com os Estados, o ensino fundamental com Estados e Municípios e a educação infantil com os Municípios. Nesse contexto, não há nada de estranho no fato de que as verbas educacionais da União sejam destinadas dominantemente  ao ensino superior. Contudo, hoje o Ministério da Educação vem tentando, através de uma propaganda maciça, convencer a sociedade de que é uma injustiça destinar a maior parte de seus recursos ao ensino superior, alegando a prioridade do ensino fundamental. No entanto, já que o próprio MEC engendrou o FUNDEF com recursos dos Estados e Municípios para garantir o financiamento do ensino fundamental, fica clara a discrepância entre as justificativas apresentadas e as razões reais que movem essa política de desinvestimento no ensino superior.
 


8. A erosão dos parâmetros educacionais brasileiros começou no período dos militares,  com a Reforma do Ensino,  ou é mais antiga?
R. A erosão dos parâmetros educacionais brasileiros vem de mais longe. De fato, deixando de lado o período colonial, pode-se dizer que o problema remonta à época da proclamação da Independência quando, apesar dos projetos de educação da mocidade brasileira e de instalação de um sistema completo de instrução pública, o que se conseguiu foi, em termos de educação básica, a aprovação em 15 de outubro de 1827 de uma lei prevendo a criação de escolas de primeiras letras que, nem assim, chegaram a ser implantadas sobrevindo, em 1834, o Ato Adicional à Constituição do Império que colocou o ensino primário e médio sob a responsabilidade das Províncias, desobrigando o governo central de cuidar desses níveis de ensino, a não ser no Município da Corte, ficando sob sua alçada, em âmbito nacional, o ensino superior. E no final do Império, não obstante todas as discussões e projetos tendentes, em sintonia com o espírito da época, à implantação de um sistema nacional de ensino capaz de abranger toda a população do país em idade escolar, isso não aconteceu. O advento da República reiterou a situação anterior. O ensino primário e médio continuou a cargo das antigas províncias, agora transformadas em Estados, e abdicou-se de tratar a educação como uma questão nacional. Com isso o país foi se atrasando e acumulando um déficit histórico imenso, cada vez mais difícil de ser saldado. Assim, enquanto os principais países, incluídos aqueles da América Latina, a exemplo da Argentina, Uruguai e Chile, implantaram os respectivos sistemas nacionais de ensino universalizando o ensino primário e erradicando o analfabetismo, o Brasil não fez isso. Daí o atraso em que nos encontramos.
 


9. Qual a sua opinião a respeito da nova lei de Diretrizes e Bases (LDB)?
R. Acompanhei a trajetória da nova LDB desde o início, sendo que o primeiro projeto apresentado na Câmara dos Deputados em dezembro de 1988 se baseou num esboço por mim redigido. Em conseqüência, logo após a promulgação da lei publiquei, no início de 1997, o livro A Nova Lei da Educação(LDB): trajetória, limites e perspectivas, Campinas, Editora Autores Associados, que hoje se encontra na 5ª edição. Aí recupero a história sinuosa com as vicissitudes do projeto de LDB até a sua conversão em lei. Em síntese, pode-se dizer que a intervenção do governo federal no Senado afastando o texto aprovado na Câmara dos Deputados e na Comissão de Educação do Senado e introduzindo, através de Darcy Ribeiro, um outro projeto ajustado ao tipo de política educacional que o MEC vem procurando implementar, frustrou os anseios da comunidade educacional fazendo-nos perder, mais uma vez, a oportunidade de traçar as coordenadas e criar os mecanismos que viabilizassem a construção de um sistema nacional de educação aberto, abrangente, sólido e adequado às necessidades e aspirações da população brasileira.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário