quarta-feira, 23 de março de 2011

O mito da escola privada I - Gustavo Fischman

Hoje dou início a uma nova entrevista. Desta vez selecionei a entrevista do educador Gustavo Fischman , que analisa o crescimento das escolas e universidades privadas, criticando essa nova perspectiva  e apontando para os problemas que são daí decorrentes.
Vale a pena a leitura!
Mirtes



O mito da escola privada
Gustavo Fischman
Entrevista concedida à Solange Azevedo
Publicada na Revista Época de 16/08/2004, edição 326

Pesquisador critica o crescimento do ensino pago e diz que na média as escolas públicas estão no mesmo nível das particulares

O educador argentino Gustavo Fischman é uma das vozes mais críticas ao que chama de 'expansão desenfreada de escolas e universidades privadas'. Professor da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, circula com desenvoltura no meio acadêmico brasileiro. Foi uma das estrelas do 3º Fórum Mundial de Educação, que reuniu 22 mil pessoas de 47 países em Porto Alegre, no fim de julho. Enquanto prepara o lançamento de seu quarto livro sobre política educacional, explicou em entrevista a ÉPOCA que, a longo prazo, entidades privadas tendem a oferecer um ensino de pior qualidade.




ÉPOCA - O crescimento do número de escolas e universidades privadas, como se vê no Brasil, é uma tendência mundial?
Gustavo Fischman - Sim, porque os governos têm dificuldade para financiar a educação pública, por falta de dinheiro ou por priorizar outras áreas. Enquanto isso, há empresários que vêem o setor como ótima fonte de lucro. Nos EUA, metade das companhias na lista das 500 maiores da revista Fortune está concorrendo no setor, oferecendo materiais educativos. Já há grandes cadeias de TV e rádio vendendo pacotes educativos. Em alguns casos, está ficando difícil distinguir quem decide o que os estudantes devem aprender.


ÉPOCA - Faz sentido estimular o crescimento do ensino privado para compensar a falta de dinheiro do Estado para investir no setor?
Fischman - Acho que isso tem de ser visto com preocupação, para além da velha disputa entre escolas públicas e privadas. É muito mais fácil que as escolas privadas funcionem com critérios puramente comerciais e pouco pedagógicos. Muitas universidades privadas criadas recentemente não correspondem ao modelo tradicional, em que, além do ensino, há desenvolvimento de pesquisas e prestação de serviços gratuitos à comunidade. Fazer pesquisa requer investimento com retorno financeiro não muito imediato. O que dá dinheiro é vender ensino. E o maior problema é que, na maioria das vezes, não é de boa qualidade. A educação tem de ser encarada como um direito e um bem social, e não um produto comercial.


ÉPOCA - O que agravou a crise no financiamento da educação pública?
Fischman - Há muitos fatores. Muitos deles são decorrentes do processo de globalização, que provocou mudanças nos setores econômicos produtivos, e da informática. Para competir no mercado de trabalho, as pessoas precisam se capacitar cada vez mais. Um dos resultados disso foi o aumento do número de pessoas que lutam para se manter nas escolas e universidades. Não é à toa que esse período é chamado da época do conhecimento. Por outro lado, no caso particular da América Latina, as reformas econômicas e políticas de redução da participação do Estado nos assuntos nacionais tiraram a disposição dos governos para investir em demandas sociais, inclusive na educação. Uma saída encontrada pelas escolas públicas e privadas foi aumentar o número de alunos por sala e gastar menos com a folha de pagamentos. Só que a qualidade caiu. As pessoas costumam dizer que, no passado, a educação era melhor que hoje. Apesar de tudo, acho que essa afirmação é difícil de sustentar porque, atualmente, os professores têm muito mais atividades. Têm de dar conta de demandas sociais e educacionais que não existiam.

''É mito dizer que escolas privadas são sempre melhores. O desempenho de alunos de escolas públicas e particulares de um mesmo bairro e do mesmo nível social é semelhante''

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca

Nenhum comentário:

Postar um comentário