sábado, 26 de março de 2011

O mito da escola privada II - Gustavo Fischman

Continuação da entrevista de Gustavo Fischman, concedida à Solange Azevedo e publicada na revista Época de 16/08/2004, edição 326.


Parte I postada em 23/03.


Nesse trecho o educador fala sobre o mito da escola privada ser sempre melhor que a pública, sobre as salas de aula lotadas e como isso afeta a qualidade da educação e diz que para oferecer uma educação de qualidade é preciso ter profissionais qualificados, que estudem bastante e que sejam remunerados de acordo com suas responsabilidades, ou seja com salários dignos. 
Boa leitura!
Mirtes.



ÉPOCA - Para acompanhar essas demandas, os professores precisam se aperfeiçoar. As escolas estão investindo nessa requalificação?
Fischman - Em muitos lugares, a capacitação não é vista como parte do desenvolvimento profissional do docente. As escolas, quando se comercializam, querem ter o menor custo. E, para fazer investimentos, exigem garantias de lucro.

ÉPOCA - O que é uma boa escola nos dias de hoje?
Fischman - As escolas municipais de Porto Alegre são uma referência mundial. O modelo de escola cidadã, do educador Paulo Freire, é um bom exemplo de como melhorar a educação através do fortalecimento da participação dos cidadãos, oferecendo serviços de qualidade e reconhecendo que os professores têm de estudar mais e que eles têm de ganhar de acordo com suas responsabilidades. A receita de uma boa escola não é nenhum mistério. Precisa ter bons profissionais, com salários mais dignos. Não existe mágica.

ÉPOCA - Em que medida salas de aula cheias afetam a qualidade do ensino?
Fischman - Em geral, os problemas de uma escola são proporcionais a seu tamanho. Pesquisas americanas mostram que as instituições pequenas têm resultados pedagógicos melhores, independentemente da classe social dos estudantes. Os sistemas de instrução pública do século XIX e da primeira metade do século XX pensaram as escolas como fábricas, com grandes linhas de montagem, com disciplinas rígidas, com esquema hierárquico rígido, sexistas, racistas e com altos níveis de discriminação como forma de resolver os problemas de aprendizagem. Se o aluno não aprendia, era jogado fora do sistema. Apesar de inadmissível, isso ainda acontece hoje em dia.


ÉPOCA - Como o aluno é jogado para fora?
Fischman -
Alunos de setores populares, portadores de deficiências e até minorias étnicas têm mais dificuldade para acompanhar o ensino. Quando um estudante é reprovado duas ou três vezes e vem de uma família em que a mãe ou o pai também passaram por essa experiência, pode concluir que ele e sua família não têm condições intelectuais para aprender. O sistema escolar atual tem dificuldade para recuperar a auto-estima dessa família, que acaba desistindo de seguir nos estudos. Esse tipo de escola só se dispõe a ensinar aos que já compartilham os códigos culturais e sociais validados pelos grupos que ocupam maior prestígio econômico.

ÉPOCA - O ensino nas escolas particulares é sempre melhor?
Fischman -
Isso é um mito. Não se pode comparar o desempenho de estudantes com realidades diferentes. Pesquisas em muitos países, como nos Estados Unidos e na América Latina, mostram que o desempenho acadêmico de alunos de escolas públicas e particulares de um mesmo bairro e do mesmo nível social é semelhante. Também não se pode dizer que professores de escolas de periferia são piores. Eles têm outras demandas para atender, além do ensino, já que nesses lugares os problemas sociais são maiores. O que ocorre é que escolas de bairros pobres têm dificuldades para atrair e manter professores mais qualificados e experientes.

Fonte : http://revistaepoca.globo.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário